1. Dos articulados No processo civil só a matéria de facto é que tem de ser articulada, mas em contencioso administrativo há um dever de articulação quer da matéria de facto que da matéria de direito, sendo esta a primeira exigência da petição inicial. Contudo, em processo civil, em princípio, embora a lei não o exija, a matéria de direito também é articulada.
Em processo civil impõe-se a articulação dos factos devido ao ónus da impugnação especificada, ou seja, o réu, na contestação, tem de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelo autor pelo que ou os impugna especificadamente ou tratando-se de factos que o réu tem a obrigação de conhecer, e não os impugnando, estes têm-se como provados. Contudo, este ónus só é exigível se houver por parte do autor um mínimo de colaboração processual e estando os factos sobre a forma articulada, a fim de se tornar a “vida mais fácil” ao réu e ao tribunal. Em relação à matéria de direito não há, em processo civil, ónus de impugnação.
Os requisitos da petição inicial encontram-se consagrados no art. 78o e ss. CPTA, sendo de salientar que a portaria a que o no5 do artigo se refere nunca foi aprovada.
Realizada a petição inicial e entregue à secretaria, a primeira coisa que esta irá fazer será verificar se se encontram reunidos os requisitos formais do art. 79o CPTA, podendo em certos casos recusar a petição inicial nos termos do art. 80o CPTA. Trata-se de casos extremos (no1 do art. 80o CPTA) em que a própria secretaria está em condições de dizer que aquele processo não pode continuar em termos formais. Quando haja recusa pela secretaria aplica-se o regime do CPC (475o e ss. CPC).
Citação: acto que trás ao processo pela primeira vez os demandados. Nos termos do art. 81o CPTA, realiza-se oficiosamente pela secretaria e não é necessário um requerimento das partes.
Nos termos do art. 25o CPTA a citação segue o regime do CPC, com uma excepção que será analisada posteriormente.
A finalidade da citação é dar conhecimento aos demandados da existência do processo para que possam exercer os seus direitos, nomeadamente a contestação.
Quem recebe a citação é o demandado e não o seu mandatário judicia, até porque como o demandado ainda não sabe que está a correr um processo contra si não existia o dever, anteriormente à citação, de constituir advogado.
A citação é feita por carta registada com aviso de recepção, sendo a data da assinatura do aviso de recepção muito importante porque é daí que se conta o prazo da contestação.
A única diferença em relação ao regime da citação no CPC decorre do art. 81o/2 em que o tribunal pode promover a citação mediante anúncio. Ou seja, há uma publicidade da existência do processo, deve-se identificar o objecto, o autor e os contra interessados no processo, e depois há um primeiro prazo de 15 dias para os contra interessados irem ao processo para se tornarem partes. Depois têm 30 dias para contestar. Tal possibilidade deve ser usada de forma moderada porque tal pode por em causa os direitos de defesa dos contra interessados a intervir. Só pode ser usado em situações em que não sejam identificáveis os contra interessados. Sendo possível identifica-los, então a citação deve ser pessoal.
A entidade demandada e os contra interessados são citados para contestar, sendo ainda importante salientar que existe a intervenção do MP, nos termos do art. 85o CPTA. Esta comunicação é importante porque o MP tem uma série de poderes de intervenção em processos administrativos, nomeadamente de impugnação de actos. Ou seja, o MP tem os poderes de intervenção processual consagrados nos vários números do art. 85º CPTA sendo que para os exercer precisa de ter conhecimento do processo, obviamente. Além disso, se o autor desistir da acção, a mesma pode ser prosseguida pelo MP nos termos do art. 66º CPTA.
Contestação: incorpora a defesa do réu e pretende que a pretensão do autor improceda. Na contestação os demandados podem deduzir uma reconvenção, o que inverte o papel das partes no processo. Ex.: o autor pede a condenação do demandado ao pagamento de uma indemnização e o demandado invoca que foi o autor quem lhe provocou danos a ele e pede-lhe uma indemnização. Para haver reconvenção é necessária uma conexão entre os pedidos. A renovação não é muito frequente, tanto que o CPTA nem se refere ao seu regime, aplicando-se portanto o regime consagrado no CPC.
A defesa do demandado na contestação pode ser por impugnação ou por excepção (dilatória ou peremptória, nos termos do CPC).
O prazo para a contestação encontra-se consagrado no art. 81o/1 CPTA, sendo de 30 dias.
Requisitos da contestação - art. 83o CPTA:
- Forma articulada de toda a matéria à defesa
- Anexar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja prova se propõe fazer
- Identificação do tribunal e do no do processo
A estrutura da contestação é muito semelhante à da petição inicial. Além disso, na parte final o demandado também faz um pedido, que normalmente assenta na absolvição.
Na contestação em Administrativo não existe o ónus da impugnação especificada, ou seja, a entidade demandada não tem o ónus de impugnar os factos alegados pelo autor um a um, não se considerando tais provados por acordo - art. 84o CPTA.
No prazo para a contestação a entidade pública demandada é obrigada a remeter para o tribunal o original do processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora nos termos do art. 84o/1 CPTA. É obrigada a remeter mesmo que tal seja prejudicial para si, não podendo seleccionar apenas o que lhe é mais conveniente.
Segue-se a notificação da contestação aos autores processuais. O autor tem de ter conhecimento do que o demandado alegou na contestação quer para efeitos de reconvenção, em que o autor teria de contestar; quer devido à invocação de excepções - Isto deve-se ao Princípio do Contraditório.
Na acção administrativa especial não existe réplica nem tréplica. O Princípio do Contraditório é assegurado na fase do saneamento do processo, nos termos do art. 88o CPTA. Existe uma única situação em que apesar da lei não consagrar, parece ter de haver réplica: caso do réu na contestação formular o pedido reconvencional. Havendo reconvenção ainda se está a delimitar o objecto do processo, ao contrário do que sucede nas excepções dilatórias, pois tais não interferem no âmbito do objecto.
Nos termos do art. 86o CPTA consagram-se os articulados supervenientes, englobando os factos que só ocorram após a entrega da petição inicial e do prazo para a contestação, ou antes destes prazos, mas que o conhecimento só ocorra posteriormente. Nos termos no no 5 vigora o principio de que a prova documental deve acompanhar o articulado, sendo que se não existir prova documental devem-se oferecer os meios de prova para o efeito.
2. Saneamento, instrução e alegações Findos os articulados, nos termos do art. 87o, o processo é concluso ao juiz ou relator.
Saneamento: fase intercalar do processo em que se vai verificar: Se o processo está em condições de continuar tal como está; Se não esta em condições de continuar em circunstância alguma; Se não está em condições de prosseguir tal como está, mas poderá prosseguir após algumas correcções.
Despacho saneador: é apenas um dos momentos do saneamento.
No saneamento do processo o juíz terá:
- Analisar se existe alguma irregularidade formal do articulado que obste ao prosseguimento do processo. Nos termos do art. 88o CPTA fala-se nas deficiências de carácter formal, no entanto o preceito não concretiza de forma clara.
- Procurar (oficiosamente) excepções dilatórias (meios de defesa do réu que têm ul alcance meramente processual, sem qualquer efeito na relação substantiva entre as partes, que obstam à constituição do processo - art. 89o/1 CPTA (entre outros).
- Ineptidão da petição inicial (a petição não tem pedido e/ou causa de pedir)
- Falta de pressupostos processuais
- Procurar/verificar se existem excepções peremptórias (enquanto a excepção dilatória é um meio de defesa que afecta apenas a relação processual, a excepção peremptória traduz-se num facto modificativo, extinto ou impeditivo da pretensão do autor)
- Olhar para os factos alegados, quer pelo autor quer pelo réu, olhar para a prova já produzida relativa a esses factos e vai ter de formular um juízo sobre:
- Ver se todos os factos alegados são relevantes ou não, sendo que os não relevantes nao o “irão preocupar mais” para efeitos de sentença
- Dentro dos factos relevantes o juiz terá de verificar se tais factos já estão ou não provados. Actualmente os factos podem ser provados por:
- Facto documentalmente provado
- Facto provado por acordo
- Facto provado ao abrigo da livre apreciação de prova pelo juiz nos termos do art. 83o/4 CPTA - Se o autor alegou determinado facto e o demandado não o contestou/impugnou esse facto não equivale imediatamente a confissão mas o tribunal pode extrair a conclusão de que se não foi impugnado o facto, esse se verificou
- Não envio do processo administrativo no prazo da contestação nos termos do art. 84o/5 CPTA
- No caso de verificar que existe uma excepção dilatória ou uma excepção peremptória, terá de ouvir o autor nos termos do art. 87o/a) e b) CPTA - tal justifica a razão de ser da inexistência de réplica ou tréplica, porque concentra-se o contraditório todo nesta fase do processo
No despacho saneador, o que deverá fazer o juiz?
- Existindo uma excepção dilatória ou irregularidade que não tenham sido corrigidas nos termos analisados anteriormente o juiz terá de conhecer dessa questão (extraindo consequências) que obsta ao prosseguimento do processo ocorrendo a absolvição da instância
- Sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento (art. 89o/2 CPTA): a regra é que o autor pode apresentar uma nova petição no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, considerando-se a nova petição apresentada na data em que tinha sido a primeira
- Com prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento (art. 88o/4 CPTA): não existe possibilidade de apresentação de nova petição
- O juíz pode conhecer parcialmente do mérito da causa, sendo que tal só é possível se antes o juiz tiver analisado os factos alegados e concluir que todos os factos alegados importantes para formular a decisão já se encontram provados. Pode ainda ter havido acordo das partes quanto à dispensa de alegações.
- O juíz poderá ainda determinar a abertura de um período de prova quando tenha sido alegada matéria de facto ainda controvertida nos termos do art. 87o/1/c).
A existência de despacho saneador não é obrigatória, tal como resulta do art. 87o/1 CPTA.
O tribunal, em matéria de prova, tem poderes inquisitórios significativos , nomeadamente no art. 90o/1 CPTA.
O juíz, nos termos do art. 90o/2 CPTA, pode recusar os requerimentos de prova das partes ou pode recusar determinados meios de prova. Se for realizada a audiência para efeitos de prova, nada impede, pelo contrário, que essa audiência se junte à audiência referida no art. 91o/1 CPTA, sendo esta última destinada à discussão da matéria de facto: cada uma das partes vai alegar, tentando demonstrar, que a prova que se acabou de mostrar prova os factos alegados.
A audiência referida no art. 91o/1 não é obrigatória, sendo que o juiz pode considerar que não se exige a realização da audiência por não ser necessária, independentemente de tal ser requerido pelas partes.
Com as alegações termina, à partida, a intervenção das partes.
3. Sentença O julgamento pode ser feito por Tribunal Colectivo, mas na maior parte das vezes é feito por Tribunal Singular. Contudo, há situações excepcionais em que além de intervir um tribunal colectivo o presidente do tribunal pode determinar a intervenção de todos os juízes do tribunal, nos termos do art. 93o CPTA - decisão adoptada pela maioria, mas havendo debate entre todos. Nos termos do art. 93o CPTA consagra-se ainda a hipótese de se o tribunal administrativo de círculo entender que a matéria é demasiado complexa para ele, então remete a questão para o STA, ficando este obrigado a emitir uma pronúncia vinculativa sobre a questão no prazo de 3 meses - a pronúncia vinculativa assenta na questão de direito, mas quem profere a sentença é o tribunal administrativo de círculo, ou seja, não existe uma transferência da competência. A pronúncia do STA não é um acto vinculativo para o próprio, podendo este, em processos diferentes, decidir de modo diferente.
Após a determinação da composição do Tribunal segue-se para a sentença, cuja estrutura é:
- Identificação
- Das partes
- Do Objecto do processo
- Da Causa de Pedir
- E, normalmente, o resumo da posição dos demandados
- Fixação das Questões de Mérito
- Factos provados ou não provados (uma parte pode já ter sido realizada no saneador)
- Questões de direito
- Apresentação de fundamentos
- Decisão final
Com a sentença esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto àquele processo. A sentença depois terá de ser notificado às partes e ser registada.
Nos termos do art. 95o CPTA dispõe-se sobre o conteúdo da sentença:
- O tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de ausência de pronúncia, o que, consequentemente, leva à nulidade da sentença. Excepção: pedidos subsidiários - se o tribunal der provimento ao primeiro pedido do autor, o segundo pedido torna-se irrelevante.
- O tribunal só se pode pronunciar pelas questões suscitadas, estando limitado pelo pedido, salvo quando a lei lhe imponha o conhecimento oficioso. Se a sentença for além do pedido, tal conduz a uma causa de nulidade da sentença
- Nos processos impugnatórios, anteriormente a 2004, havia uma prática instaurada na jurisprudência que era a de a partir do momento em que o tribunal verificasse que de facto o acto impugnado padecia de um vício, anulava-o logo não analisado sequer os demais vícios.
Normalmente, o tribunal começava a sua anulação pelos vícios mais fáceis, os formais. Como o acto só tinha sido anulado por falta de fundamentação, a Administração, depois da sentença, praticava exactamente o mesmo acto, mas agora com fundamentação. Deste modo o CPTA consagra agora que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas - visa-se a tutela jurisdicional efectiva (art. 95o/2). Além disso, o tribunal deve ainda identificar a existência de causas de invalidado diversas das que tenham sido alegadas, o que consubstancia uma excepção ao no 1, visando-se aqui a formação de uma sentença que produza o efeito de caso julgado quanto à validade do acto. Quer-se que a questão da validade daquele acto fique encerrada e não possa vir novamente a ser invocada.
Refere o Prof. André Salgado Matos, a este propósito, que o intuíto do no 2 é boa, mas esta intenção às vezes fica frustrada uma vez que o tribunal pode não ter elementos para analisar todas as possíveis e imaginárias causas de invalidado daquele acto administrativo, por exemplo é bastante difícil provar o desvio de poder ou o erro. Não se pode garantir em absoluto que mesmo depois do tribunal exercer estes poderes do no 2 e emitir uma sentença em que se consagra a validade do acto, não apareçam, meses depois, provas que demonstram que aquele acto se deve a corrupção.
- Nos termos do art. 95o/3 estabelecem-se limites dos poderes de pronúncia do tribunal nos casos em que exista livre margem de apreciação por parte da administração. Estas situações são importantes nos casos de condenação à prática do acto devido. Segundo esta norma o tribunal vai poder dizer quais os actos que têm de ser praticado, mas se existir margem de livre apreciação e havendo várias possibilidades lícitas para a administração actuar, o tribunal não pode decidir qual a via que aquela irá seguir, ou seja, não pode determinar o conteúdo da decisão administrativa.
- Nos termos do art. 95o/4 CPTA consagra-se que nas situações em que não existe margem de decisão, o tribunal não tem elementos suficientes, chamando este aquela para lhe prestar tais elementos.
Juliana Albano da Luz, aluna nº 22044