domingo, 7 de dezembro de 2014

A IMPUGNAÇÃO DE REGULAMENTOS NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO


Ao tratar-se deste tema, há uma questão prévia que deve ser delimitada o que deve ser considerado regulamento, depois de percebemos o que pode ser entendido como regulamento é que poderemos saber o que pode ou não ser impugnado nesta sede.

Regulamento é um acto individual e concreto? É um acto geral e abstracto?

Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, nas situações em que há só individualidade ou só generalidade deve considerar-se que há regulamento.

Regulamento – actuações gerais e abstractas; gerais e concretas

Para o professor Vasco Pereira da Silva, tudo o que não for individual e concreto pode ser considerado como regulamento.

Para o professor Viera de Andrade, os regulamentos são normas emanadas pelos órgãos ou autoridade competentes no exercício da função administrativa, com valor infra-legal e destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas (designadamente, das disposições normativas directamente aplicáveis da UniãoEuropeia). Esta noção ampla abrange, além dos regulamentos tradicionais, os estatutos auto-aprovados de entes corporativos (associações públicas) ou institucionais (universidades), os regimentos de órgãos colegiais, as convenções administrativas de carácter regulamentar, os planos (e “documentosestratégicos”) de gestão territorial.

 

O regulamento caracteriza-se como norma geral - com destinatários indeterminados e abstracta - aplicável a situações da vida indeterminadas, e distingue-se do acto administrativo em sentido estrito (com destinatários individualizados e relativo a uma situação concreta).

 

 Houve uma intensa discussão e inconformidade quanto à admissibilidade de impugnação de regulamentos, para Afonso Queiró, haveria duas questões importantes a debater no seio desta problemática: i) A primeira, relativa à interrogação sobre a admissibilidade da impugnação contenciosa dos regulamentos ou de todos eles; ii) E a segunda, sobre se, sendo admissível essa impugnação, será legitimo o seu sindicato directo pelos lesados.

Quanto à primeira indagação que o autor supra referenciado menciona não há qualquer dúvida no momento de responder afirmativamente a parte da questão porque no actual regime os regulamentos são impugnáveis, num momento houve reservas quanto ao tipo de regulamento que deveria ser ou não impugnáveis, penso que essas reservas hoje estejam dilaceradas; pelo que será impugnável, todo e qualquer regulamento sem a distinção de ser ou não local.

Quanto à segunda questão levantada, veremos posteriormente qual a resposta a esta questão.

O Professor Blanco de Morais apresenta três razões que eram expostas para justificar o impedimento da impugnação contenciosa dos regulamentos:

1 – A primeira delas derivava de justificações constitucionais – que extraía o seu fundamento na separação de poderes que pressupunha uma divisão entre as autoridades administrativas e jurisdicionais, e, por isso, proibia os tribunais de interferirem na actividade da Administração.

2 – A segunda razão retirava o seu fundamento em razões políticas, segundo a qual as mesmas razões que impediam a impugnação das leis impedem a dos regulamentos.

3 – Por fim, eram apresentadas duas razões de ordem jurídico-normativa, uma delas, tinha origem, no entendimento de que, como norma geral e abstracta, o regulamento não teria destinatários individualizados e, como tal, não poderia violar o direito; dentro deste critério era apresentada uma última razão, a de que, o regulamento sendo uma lei em sentido material, e, sendo as leis contenciosamente insindicáveis, os regulamentos também o seriam.

 

Também é de referir quanto à esta matéria o art.º 268.º/4 da CRP e o art.º 4.º/1, al. c) do ETAF que permitem a impugnação de actos administrativos praticados sob a forma regulamentar, por isso, qualquer uma das razões acima apontadas não tem hoje colhimento.

Regime da impugnação de Regulamentos

Foi consagrado um regime de impugnação de regulamentos que apresenta uma vertente dualista de impugnação directa por acção – donde deriva essa dualidade?

A dualidade deriva do art.º 73.º do CPTA, como melhor se constatara de seguida.

A forma admissível para sindicar a impugnação de regulamentos é a acção especial.

Pertence a esfera dos Tribunais Administrativos de Círculo, a competência para apreciar acções referentes a impugnação de regulamentos excepto as normas editadas pelo Conselho de Ministros e pelo Primeiro-Ministro, cujo julgamento foi cometido ao STA.

Com carácter inovatório relativamente a esta matéria, parece ser consagração da fiscalização da legalidade por omissão (art.º 77.º do CPTA) e das providências cautelares de suspensão de regulamentos (art.º 112.º/2, al. a) do CPTA).

 

Relativamente ao prazo foi consagrado um regime especial neste âmbito, semelhante ao regime da nulidade, o art.º 74.º do CPTA refere que a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo.

 

Conteúdo da previsão da impugnação de actos regulamentares

 

No CPTA é-nos apresentado um regime que tem aparência de dualidade por distinguir entre o pedido de declaração da ilegalidade em concreto, previsto no art.º 73.º/2 do CPTA; este pedido é restringido as normas que produzem efeitos no imediato, este pedido pode ser proposto pelo lesado ou pelos autores populares.

Contraposto ao regime supra enunciado acima é o do pedido de declaração abstracta da ilegalidade, que pode ser formulado pelo lesado apenas quando haja repetição do julgado, e pelo Ministério Público, dirigindo-se a todas as normas independentemente da sua operatividade, isto é, do momento em que produza os efeitos – art.º 73.º/1

 

O que se pretende nestas acções é que o Tribunal declare certas normas ilegais; isto é, p pedido é a declaração de ilegalidade de normas.

 

Em forma de conclusão, há que referir que:

i) O particular apenas dispõe da faculdade de impugnar a validade de regulamentos mediatamente operativos, se estes tiverem sido previamente julgados ilegais em três casos concretos.

ii) O Ministério Publico, não está sujeito a esse limite para impugnar normas já que,

oficiosamente ou a solicitação dos autores populares, pode pedir a declaração abstracta da ilegalidade independentemente da repetição do julgado, devendo, todavia, propor a

acção, se a repetição envolver três casos concretos.

Em sede deste trabalho, preferi não referir a ambiguidade da legitimidade dos autores populares quanto à esta matéria.

 

Bibliografia

 

Carlos Blanco de Morais – A Impugnação dos Regulamentos no

Contencioso Administrativo Português, in, Temas e Problemas do Processo Administrativo -Intervenções do Curso de Pós-graduação sobre o Contencioso Administrativo, 2011

José Carlos Vieira de Andrade, As formas principais da actividade administrativa: regulamento, acto e contrato administrativo – Sumários das Lições de Direito Administrativo II

Vasco Pereira da Silva – Sumários das Lições de Direito Administrativo II

 

Trabalho realizado por:

Catarina Adão Lima – aluna n.º  22501

Actos confirmativos enquanto actos administrativos inimpugnáveis


O artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo estabelece que, para o efeito daquele Código, se consideram actos administrativos “as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.

De acordo com o entendimento de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FREITAS DO AMARAL, o elemento fulcral do conceito de acto administrativo presente neste preceito reside no conteúdo decisório, isto é, os actos administrativos são decisões. Ora é precisamente a próposito deste elemento que cumpre abordar a temática da inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos.

Os actos confirmativos são actos administrativos que se limitam apenas a confirmar definições jurídicas introduzidas por actos administrativos anteriores e, como tal, o acto confirmativo é aquele cujo objecto é igual ao de acto definitivo ou contenciosamente impugnável anteriormente praticado, e do qual resultara já definida a situação jurídica da Administração e do administrado.

Nos termos do artigo 53.º do CPTA apenas são inimpugnáveis os actos confirmativos quando o acto administrativo anterior “tenha sido impugnado pelo autor”, “tenha sido objecto de notificação ao autor” ou “tenha sido objecto de publicação sem que tivesse de ser notificado ao autor”.

Deste preceito resulta que os actos confirmativos não podem ser aproveitados para reabrir um litígio. Tendo o acto administrativo anterior sido impugnado, ocorreu já uma decisão relativa à questão em apreço. Assim, não pode existir nova impugnação que vá incidir sobre o mesmo acto, desse modo contornando a lei e eternizando os procedimentos administrativos “através de requerimentos sucessivos”[1]. Da mesma forma, o acto confirmativo não poderá ser impugnado quando o acto anterior não o foi, uma vez que o indivíduo deve proceder à impugnação do acto administrativo dentro dos prazos legais. Admitir a impugnação do acto confirmativo, neste caso, seria permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Tal só não ocorrerá quando o acto anterior não tiver sido notificado ao interessado ou publicado[2], um vez que, em tal hipótese, o sujeito não tem conhecimento do acto para exercer o seu direito de impugnação. Quanto aos actos nulos, impugnáveis a todo o tempo (ex vi nº1 do art. 58.º CPTA), deve entender-se que o verdadeiro objecto de impugnação é o acto confirmado e não o acto confirmativo[3].

Em linha com o anteriormente exposto, o artigo 9.º/2 do CPA retira o dever de decisão à Administração quando a mesma, por se encontrar perante um pedido formulado por um particular relativamente ao qual já antes teria praticado um acto administrativo, é colocada na eventualidade de confirmar o acto prévio. São pressupostos desta dispensa legal do dever de decisão a prática de um acto administrativo sobre o mesmo pedido e com os mesmos fundamentos, há menos de dois anos, formulado pelo mesmo requerente ainda que perante órgão diferente do antes requerido, desde que competente. Contudo, nos casos em que existe dever de decisão por já ter decorrido o prazo de dois anos e tendo a Administração reproduzido literalmente a pronúncia anterior, a decisão é irrecorrível ou inimpugnável. O decurso dos dois anos não permite retirar do preceito a conclusão de que a decisão proferida de novo seria uma decisão impugnável contenciosamente, tal como é do entendimento de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA. Já BENJAMIM BARBOSA considera que o alcance teleológico da norma aponta em sentido diverso, em concreto, no sentido de permitir uma nova decisão desta vez impugnável, dado que apesar de meramente confirmativa e mantendo a “mesma situação de lesividade ou afectação de posições subjectivas de particulares, característica da decisão anterior” [4] vem renovar os efeitos desta.  

Já a propósito do anterior Contencioso Administrativo, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA invocava a inimpugnabilidade dos actos confirmativos com fundamento no seu carácter não definitivo. O mesmo Autor considera necessário o preenchimento de determinados requisitos para que ao sujeito seja impedida reacção contenciosa. São esses os seguintes: acto confirmado e confirmativo devem ser praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica, isto é, não poderá ter ocorrido qualquer alteração legal ou regulamentar; o particular deve ter conhecimento do acto confirmado antes da interposição de recurso contra o acto confirmativo; e, por último, deve verificar-se uma total correspondência entre os seus diversos elementos e as do acto confirmado, caso contrário o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo, tornando-se susceptível de impugnação contenciosa.  

A redacção proposta para alteração deste preceito apresentada no Anteprojecto de Revisão do CPTA e do ETAF é a seguinte:

«Artigo 53.º

Impugnação de atos confirmativos

1 - Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a este ato, qualquer dos factos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 59.º.

3 - Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador».

 Identifica-se como diferença em face da actual redacção a consagração de um conceito legal de actos confirmativos. O preceito vai assim de encontro aos requisitos apresentados por MÁRIO ESTEVES, na medida em que o conceito apresentado abrange a necessária uniformidade do quadro legal e factual subjacente ao acto confirmado e ao acto confirmativo, assim como a total correspondência relativamente aos interessados e aos efeitos jurídicos entre o acto confirmado e o acto confirmativo. Apresenta-se como excepção à inimpugnabilidade, no número 2, os casos em que o actor anterior não tenha sido objecto de notificação ou publicação. No nº3 é estabelecida a inimpugnabilidade dos actos jurídicos de execução, já que os mesmos, em regra, se apresentam como actos confirmativos, perseguindo-se por esta via também o objectivo de impedir a eternização do procedimento e a consolidação efectiva do acto executado.   Assim, é afastada a ambiguidade textual actual sendo adoptada uma solução consensual sob o ponto de vista doutrinário e jurisprudêncial.

Em jeito de conclusão, poderá afirmar-se que a inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos decorre do facto de não se tratarem de verdadeiros actos administrativos. Trata-se de actos que se limitam a reconhecer que sobre determinada questão já anteriormente foi tomada uma decisão, mantendo, deste modo, a definição constante do acto anterior e, como tal, não envolvem o reexercício do poder de decidir. Não se tratando de verdadeiras decisões, não são actos administrativos (art. 120.º CPA). Não contêm efeitos inovatórios e não são, por si, lesivos.

 

Filipa Moreira,

Nº 20742

 

BIBLIOGRAFIA

AROSO DE ALMEIDA, Mário, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed. rev. e actualizada, Lisboa, Almedina, 2005.

BARBOSA, Benjamim, A Revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade dos actos administrativos (actos confirmativos, actos ineficazes e legitimidade) no Anteprojecto do CPTA, in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, Lisboa, AAFDL, 2014;

COIMBRA, José Duarte, A impugnabilidade de actos adinistrativos no Anteprojecto de Revisão do CPTA, in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em debate, Lisboa, AAFDL, 2014;

ESTEVES DE OLIVEIRA, Mário; GONÇALVES, Pedro Costa; AMORIM, J.Pacheco, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 2ªed., Coimbra, Almedina, 2001.

FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo vol. II, 2ª ed.,Coimbra, Almedina, 2011.

VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa (Lições), 13ª ed., Coimbra, Almedina, 2014.

PEREIRA DA SILVA, Vasco, Contencioso Administrativo no Divâ da Psicanálise, 2ªed., Lisboa, Almedina, 20009.



[1] Cfr. Vieira de Andrade, Justiça..., p.215.
[2] Nas situações em que basta a publicação para que o acto se torne automaticamente oponivel conforme o disposto no artigo 59.º CPTA.
[3] Cfr. Benjamim Barbosa, A Revisão dos requisitos gerais..., p. 398.
[4] Cfr. Benjamim Barbosa, A Revisão dos requisitos gerais do regime da impugnabilidade..., p. 396.

Análise ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/09/2004, Processo n.º620/4 (Providências Cautelares)

A análise realizada ao do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/09/2004, Processo n.º620/4 prende-se com a seguinte questão: "As providências cautelares têm prazo para serem propostas?".
Antes de mais, devemos fazer uma exposição sobre o objeto desta análise: as providências cautelares.
O processo cautelar visa assegurar a utilidade de uma ação principal, isto é, de um processo que normalmente é mais moroso e que, portanto, exige que a utilidade da sentença seja assegurada de forma cautelar.
As principais características das providências cautelares são:
1) Instrumentalidade, ou seja, a dependência de uma ação principal, cuja dependência visa assegurar.
2)Provisoriedade, isto é, não está em causa a resolução definitiva de um litígio.
3) Sumariedade, pois concretizam-se numa cognição sumária da situação de facto e de direito, rópria de um processo provisório e urgente.
Os processos cautelares distinguem-se, por isso, dos processos urgentes autónomos, que são processos principais e visam a produção de decisões de mérito.
A lei admite providências cautelares de todos vários tipos, desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num determinado processo, nos termos do artigo 112º/1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
São admitidas tanto providências conservatórias como antecipatórias, tendo as primeiras a função de manter ou preservar a situação de facto existente ( por exemplo, assegurando ao requerente a manutenção da titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem), e as segundas a função de prevenir um dano (obtendo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito, mas que lhe é negado).
para que seja concedida uma providência cautelar é necessário que esteja preenchido o requisito da perigosidade (periculum in mora), ou seja, exige-se que esteja em causa um perigo de inutilidade, total ou parcial, da sentença, resultante do decurso do tempo. O artigo 120º do CPTA estabelece este requisito ao exigir, para a adoção da providência cautelar, que "haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil  reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal". Para preencher tal requisito, é necessário proceder a um juízo de prognose, para concluir se há ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido juízos de tal ordem  que sejam de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar.
também na situação oposta, ou seja, em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal, mesmo que não haja circunstâncias formais que obstem ao conhecimento do pedido, será sempre recusada qualquer providência, ainda que meramente conservatória.
nas situações intermédias, ou seja, quando haja uma incerteza relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei opta por uma graduação, em função do tipo de providência requerida:
1) se for provável que a pretensão principal venha a ser julgada procedente, pode ser decretada a providência (mesmo que seja antecipatória);
2) se a providência requerida for apenas conservatória, não tem que existir uma probabilidade maior de procedência, exigindo-se apenas que não haja uma manifesta falta de fundamento.
Ou seja, a lei basta-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da ação principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obriga a que se possa formular um juízo de probabilidade  para justificar a concessão de uma providência antecipatória.
Outro dos requisitos exigidos na concessão da providência cautelar é a proporcionalidade, isto é, mesmo que se verifiquem os dois requisitos fundamentais, ou seja, o periculum in mora e o fumus boni iuris (quando haja probabilidade de procedência ou não seja manifesta a falta de fundamento da ação principal), o juiz deve recusar  a concessão da providência, quando o prejuízo resultante para o individuo  se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a procedência.
Ainda nos termos do artigo 120º/3, a providência deve limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente  - principio da necessidade e da adequabilidade.
Passando agora à questão em apreço, no Acórdão em causa, o pedido é indeferido com base na extrapolação do prazo para intentar a respetiva providência cautelar. Ora, a questão que se coloca é a seguinte: as providências cautelares estão sujeitas a prazo? No Acórdão é defendido que existe um prazo de três meses, correspondentes ao prazo para impugnar atos anuláveis.
Já com a LPTA (DL n.º 267/85 de 16/7) anteriormente em vigor, era tendência jurisprudencial afirmar que o prazo para intentar providências cautelares era o previsto no artigo 28º/1 a) (prazo para o recurso contencioso de atos anuláveis), independentemente do vício que se queria atacar, ou seja, estivéssemos perante um caso de anulabilidade, nulidade ou inexistência. A verdade é que esta interpretação do artigo 79º/3 da LPTA é incorreta. O referido artigo não se refere a um prazo para interpor ação, mas sim em prazo de caducidade da providência cautelar caso não seja intentado processo principal (recurso) no prazo de dois meses. A razão de ser desta norma, ou seja, a ratio do artigo em causa, é evitar que o requerente que beneficiou da providência cautelar não se aproveite dessa decisão favorável proferida com base numa apreciação sumária e provisória, não intentando uma ação principal, para protelar uma situação que se pode revelar injusta depois do julgamento do processo principal.
Por outras palavras, nenhum precito da antiga LPTA determinou um prazo para intentar uma providência cautelar. Assim como no atual CPTA também não existe um prazo para a respetiva interposição (artigo 114º/1 do CPTA). O artigo 123º apenas regula o regime da caducidade das providências cautelares, ou seja, a fixação do prazo diz respeito não à propositura de um processo cautelar, mas sim do processo principal, na sequência do decretamento de uma providência cautelar. Este artigo possui exatamente a mesma ratio do artigo 79º/3 da anterior LPTA.
A verdade é que, a jurisprudência se baseia no artigo 58º/2 b) para a determinação do prazo para intentar um processo cautelar. No entanto, como refere Oliveira Ascensão, a interpretação extensiva não pode ultrapassar o sentido da lei. E o sentido da lei não foi, claramente, o de estipular um determinado prazo para a referida interposição de uma providência cautelar.
Em suma, o Acórdão em apreço revela-se injusto, na medida em que viola a letra da lei, criando um prazo que dela não resulta e, consequentemente, indeferindo o pedido para o decretamento de uma providência cautelar.

Bibliografia:

-ANDRADE, Vieira de, Justiça Administrativa, almedina, 13ª edição, 2014

-SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, almedina, 2ª edição, 2009

-ALMEIDA, Mário Aroso de, " O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 2010




Sandra Nunes
Aluna 22207

"Papel das providências cautelares no processo administrativo: análise ao seu regime"

Evolução, funções, características e finalidades das providências cautelares


   As providências cautelares estão previstas na constituição, através da revisão de 1997, sendo um meio necessário para a garantia do princípio da tutela judicial efectiva, segundo o art 268º/4 CRP. As providências cautelares, sendo meios processuais urgentes, segundo o art 147º CPTA, segue uma tramitação célere, sendo a finalidade deste meio processual. Como meio processual administrativo, encontra-se regulado nos artigos 112º e seguintes do CPTA, sendo este um meio processual urgente, que se distingue dos meios processuais não urgentes (acção administrativa comum e especial).       
    Com a reforma de 2004, as providências cautelares assumem um papel mais amplo, sendo um meio processual importantíssimo para assegurar o princípio da tutela judicial efectiva, o princípio da separação de poderes e o princípio  da prossecução do interesse público, de forma a assegurar os interesses do requerente da providência.
   As providências cautelares visam, sobretudo, evitar a demora de um processo, tornando este mais célere, sendo que este meio processual encontra-se dependente da acção principal, tal como não profere decisões de mérito efectivas, isto é, a resolução definitiva do litígio, ao contrário dos processos urgente autónomos que produzem decisões de mérito definitivas.
  Este meio processual não incide só sobre actos positivos, mas também em actos negativos(mas que tenham alguns efeitos positivos), suspendendo estes actos, devendo ter em conta a proporcionalidade entre o dano e a gravidade do prejuízo para o interesse público. As providências cautelares dispõem de providências antecipatórias ou conservatórias, sendo necessário que seja o meio mais adequado para assegurar a sentença (art 112º/1 CPTA), estando previsto no art 112º/2 CPTA uma enumeração exemplificativa quanto a essa finalidade.
    Quantos aos requisitos para ser admitida este meio processual, é necessário um perigo ou um grave prejuízo para o requerente, designado por "periculum in mora", previsto no art 100º/ b) e c) CPTA, onde prevê um receio para o requerente, sem prejuízo do art 112º/2 CPTA, ao ter em conta a ponderação dos interesses públicos ou privados consoante a parte em causa.
   Outro requisito refere-se quanto à prova, "fumus boni iuris", devendo o juiz avaliar probalidade desse receio, sendo que na providência antecipatória a probabilidade deve-se à acção principal, isto é, que esta seja provável ser julgada procedente.
    Quanto às providência conservatórias, não é necessário essa convicção de probalidade de procedência da acção principal, basta que não haja manifesta falta de fundamentação da acção principal. Esta diferença quanto à convicção da probabilidade pelo juiz nestas duas formas de providências cautelares, deve-se ao carácter "menos intrusivo" na actividade administrativa pela providência conservatória, sendo menos prejudicial para o interesse do requerido e contra-interessados.
   Quanto à proporcionalidade, deve ter em conta o prejuízo para o interesse público e o prejuízo que se pretende evitar (seja interesse público ou privado das partes), mesmo que os restantes requisitos estejam preenchidos. Assim, a proporcionalidade visa os resultados dos interesses de cada uma das partes, ponderando os danos e prejuízos e não os valores dos interesses de cada uma das partes. Quanto à necessidade e à adequabilidade das providências cautelares, é necessário que seja a menos gravosa, procurando evitar lesões ao requerente (120º/2 CPTA), sendo que o juiz pode decretar contra-providências, estando consagradas no art 120º/4 e 122º/2 CPTA.
   As providências cautelares, sendo provisórias, estão dependentes da acção principal, tal como na alteração de circunstâncias inicialmente existentes, em que a providência pode ser revogada, alterada ou substituída mesmo que transitada, se houver uma modificação, segundo o art 124º/1 CPTA. Caso não haja decisão de mérito favorável ao requerente, segundo o art 126º/1, este deve indemnizar o requerido e contra-interessados pelos danos causados, caso preencha os requisitos do art 126º/1 CPTA.
   Pode também, sem ter em conta o art 120º/3 CPTA nas limitações deste artigo, seja proferido um decretamento provisório imediato da providência requerida, não estando este regime previsto no CPTA, aplica-se as regras do CPC, sendo aplicado no processo administrativo.
    Segundo o art 131ºCPTA, já seria possível o decretamento provisório da providência, caso respeite os requisitos (direitos, liberdade e garantias), quando não possam ser exercidas em tempo útil. O decretamento provisório da providência é uma situação de especial urgência, sendo de conhecimento oficioso do juiz, de acordo com os termos do art 131º/2, tendo em conta o princípio da tutela judicial efectiva.
  No entanto, encontra-se alguns regimes especiais de providências, isto é, providências especificadas, estando referidas nos art 132º, 133º e 134º do CPTA.
  Num caso particular previsto no CPTA, caso não seja possível (ou suficiente) o decretamento provisório de uma providência cautelar, segue-se a forma de processo urgente (intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias), segundo o art 109º CPTA, estando previsto uma relação de subsidiaridade entre estes dois meios processuais.
   No entanto, tal como resulta do CPC, também no processo administrativo, as providências cautelares podem adquirir força de caso julgado, sendo decisões de mérito definitivas, como resulta do art 121º/1 CPTA, respeitando os seus requisitos, sendo uma "passagem" para uma acção principal.
  Concluindo, as providências cautelares, sendo um processo urgente, visam produzir os mesmo efeitos ou os efeitos que se pretende da acção principal, de forma a assegurar o interesse das partes de forma provisória, não podendo ser desproporcional nos interesses de cada uma das partes, tendo como finalidade um processo rápido e célere.


Bibliografia:

-Quadros, Fausto de – Algumas considerações gerais sobre a Reforma do Contencioso Administrativo, em especial, as Providências Cautelares, in Reforma do Contencioso Administrativo

-ANDRADE, Vieira de, Justiça Administrativa, almedina, 13ª edição, 2014

-SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, almedina, 2ª edição, 2009

-ALMEIDA, Mário Aroso de, " O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos"



Miguel Ângelo Calado Costa
Nº22530


O Valor da causa no Contencioso Administrativo

A regra da atribuição do valor, e respectivas consequências

O valor da causa no Contencioso Administrativo tem o seu regime nos artigos 31º-34º do CPTA. De uma visão superficial e primeira ao seu regime, podemos ver a importância do valor da causa nas acções colocadas nos tribunais administrativos. Essa importância pode ir da possibilidade de recurso, à verificação do interesse processual da causa. O valor da causa pode variar muito, consoante se trate de um acto ou de uma norma.
O artigo 31º/1 do CPTA impõe a regra de que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo”. Ou seja, todas as causas que correm nos tribunais administrativos, desde as acções comuns às especiais, incluindo os processos cautelares e os processos executivos, têm de ter um valor fixo. Esse valor é fixado pelos critérios dos artigos 32º-34º. Deste modo, as partes devem, em todos os actos que conformam e determinam a causa, indicar o respectivo valor, sendo que isso sucede com o autor na Petição Inicial (78º/2 i) CPTA), na réplica ou em articulado de cumulação superveniente; com o réu na reconvenção; e com terceiros aquando do requerimento de dedução de intervenção principal.
O valor da causa corresponde à utilidade económica do pedido[1], sendo que esta, muitas vezes se torna quase impossível de determinar, bastando, para o efeito, que não tenha expressão económica, respeitando a interesses e valores imateriais, insusceptíveis de valoração económica. Para os professores Esteves de Oliveira, quando se lida com um problema de fixação do valor processual de uma causa administrativa (salvo se se tratar de uma prestação pecuniária, em que tal determinação é óbvia, 32º/1 CPTA), deve começar-se por tentar perceber se se tratará de um caso do 34º/1 do CPTA (apesar de ser o critério supletivo), sendo que só depois se vai ao 33º, e, por fim, ao 32º.
O valor da causa é relevante para a determinar a forma de processo da acção administrativa comum (ordinária, sumária, ou sumaríssima). É também relevante para a determinação de intervenção do tribunal colectivo nas acções administrativas especiais, porque, sendo estas de valor superior à alçada do respectivo tribunal, as causas são sempre julgadas por três juízes, segundo o disposto no 40º/3 do ETAF. Relativamente a estas duas situações, a partir da entrada em vigor do novo CPTA, as mesmas deixarão de existir, dada a junção da acção administrativa comum e da especial. Estas questões já nem integram o 31º do novo CPTA.
Finalmente, e a consequência, a nosso ver mais importante, diz respeito à influência do valor da causa nos recursos, quer da possibilidade, quer do tipo de recursos. Quanto à possibilidade de recurso, este só é admissível se a causa tiver um valor superior ao da alçada[2], sendo esta regra uma inovação relativamente ao regime “pré reforma 2002-2004”, no qual qualquer causa, independentemente do valor, era passível de recurso; quanto ao tipo (e, indirectamente o tribunal), importa referir o caso de “ Revista per saltum” para o STA, quando o valor da causa seja superior a três milhões de euros (151º do CPTA), ou seja de valor indeterminável. Ao contrário do que sucede no regime civil, o valor da causa, em Contencioso Administrativo é irrelevante para aferir da competência hierárquica e da necessidade de patrocínio judiciário.
O valor da causa, segundo as regras do regime civil, aplicadas por força do 31º/4 do CPTA, é fixado pelo juiz, segundo o 306º do CPC, sem prejuízo da colaboração das partes (o autor indica um valor na Petição inicial, sendo que o juiz o fixa no Despacho saneador).

Critérios para a fixação do valor
Seguindo as orientações dos Professores Esteves de Oliveira[3], comecemos por analisar o critério supletivo, do artigo 34º. São de valor indeterminável, em primeiro lugar, os bens insusceptíveis de valoração pecuniária, também chamados de “bens imateriais”. É, por exemplo, o caso da proibição de uma manifestação na via pública, ou a admissão num curso universitário. Em segundo lugar, são de valor indeterminável os processos relativos à emissão de normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, sendo que essa indeterminabilidade resulta da natureza abstracta e geral do regulamento. O legislador fez questão de individualizar, dentro desta última categoria, planos urbanísticos e de ordenamento do território. O 34º/2 afirma que, nos casos transcritos, o valor considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, sendo que, na prática, se dará o valor da alçada, mais um cêntimo. O 34º/4 fala de um caso especial de cumulação de pedidos, em que se cumula um pedido de valor determinável, e outro de valor indeterminável, sendo que nesse caso a sentença será considerada em separado, sendo apenas, salvo o caso do pedido determinável economicamente seja superior ao da alçada, o de valor indeterminável sujeito a recurso.
O segundo critério aplicável, é o critério do 33º, por serem os critérios especiais. Este critério respeita a casos em que o que está em causa é a impugnação por ilegalidade de actos administrativos, ou a condenação à sua prática (e não se o que estiver em causa for uma simples cessação de uma situação causadora de dano, mesmo que fundada em acto administrativo, valendo, aí, o disposto no 32º/5; ou os casos de condenação à abstenção da prática de um acto administrativo, que cabe no 32º/2.). Diz então a lei que quando estiver em causa um processo relativo a um acto administrativo, mesmo que seja um acto administrativo contratual praticado pelo contraente administrativo, que se atende sempre ao conteúdo económico desse acto, por referência à realidade jurídica ou material que recaiu, ou devia ter recaído.
Finalmente, temos o critério geral, presente no artigo 32º. São vários os subcritérios, criados, sem dúvida, para limitar o alcance do 34º. Em primeiro lugar, numa acção destinada a obter o pagamento ou restituição de uma quantia certa (se não for, o critério é o do nº8), o valor da causa corresponde ao da quantia demandada[4]. O segundo subcritério, é o do benefício, sendo este diverso da quantia certa do número anterior, correspondendo, assim, ao valor desse benefício (que, para este efeito, há de corresponder a uma vantagem material, passível de avaliação pecuniária). Em terceiro lugar, temos as acções relativas a contratos, sendo que o valor da causa é equivalente ao do contrato em causa, sendo este determinado pelo preço, ou por estipulação das partes (este último na falta de preço). Seguidamente, temos as acções relativas a coisas (móveis ou imóveis), ou seja, a acções reais, aplicando-se aqui o critério do valor da coisa, pelo seu valor real (valor de mercado) ou patrimonial (valor com que está registado). No nº5, temos as acções que têm por objecto a cessação de situações causadoras de dano, ou as que tenham por objectivo evitar que elas apareçam, sendo o valor da causa, o valor do dano causado ou evitado (por exemplo, a intimação prevista no 109º do CPTA). Depois aparecem as situações dos processos cautelares, e, neste caso, o valor da causa só é o da acção principal se neles estiver em causa a conservação dos bens a que tal acção respeita.
Em caso de cumulação de pedidos, o valor da acção é a soma dos dois (excepto, como já vimos, se um deles se referir a um bem indeterminável, ou a uma norma de um regulamento), devendo ter, os dois pedidos, utilidades diferentes, como refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa. No caso de pedidos alternativos, o valor da causa é o do pedido mais elevado, e, no caso de subsidiários o valor é o do pedido principal.
Francisco Correia Monteiro Cabral Campello
n.º 22193

BIBLIOGRAFIA
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo;
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo;
VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise;
VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa.




[1] Antes da reforma de 2002-2004, o critério era o do benefício pretendido, que agora consta do 32º/2.
[2] Neste momento o valor da alçada dos tribunais administrativos de primeira instância é de 5 mil euros, segundo o 44º/1 da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto. Quer isto dizer que, o referido artigo 44º/1, conjugado com o 142º/1 CPTA determinam que só são passíveis de recurso, as causas que tenham um valor superior a 5000 euros.
[3] Este é o primeiro critério aplicável, quer pela razão já enunciada, quer por uma razão prática, dada a grande quantidade de acções relativas a bens imateriais, insusceptíveis de avaliação económica.
[4] Parece caber aqui, também, as situações em que se pede a exoneração de uma quantia, como por exemplo, a inexistência de um débito.

Da Marcha do Processo

1. Dos articulados



No processo civil só a matéria de facto é que tem de ser articulada, mas em contencioso administrativo há um dever de articulação quer da matéria de facto que da matéria de direito, sendo esta a primeira exigência da petição inicial. Contudo, em processo civil, em princípio, embora a lei não o exija, a matéria de direito também é articulada.

Em processo civil impõe-se a articulação dos factos devido ao ónus da impugnação especificada, ou seja, o réu, na contestação, tem de se pronunciar sobre todos os factos alegados pelo autor pelo que ou os impugna especificadamente ou tratando-se de factos que o réu tem a obrigação de conhecer, e não os impugnando, estes têm-se como provados. Contudo, este ónus só é exigível se houver por parte do autor um mínimo de colaboração processual e estando os factos sobre a forma articulada, a fim de se tornar a “vida mais fácil” ao réu e ao tribunal. Em relação à matéria de direito não há, em processo civil, ónus de impugnação.

Os requisitos da petição inicial encontram-se consagrados no art. 78o e ss. CPTA, sendo de salientar que a portaria a que o no5 do artigo se refere nunca foi aprovada.

Realizada a petição inicial e entregue à secretaria, a primeira coisa que esta irá fazer será verificar se se encontram reunidos os requisitos formais do art. 79o CPTA, podendo em certos casos recusar a petição inicial nos termos do art. 80o CPTA. Trata-se de casos extremos (no1 do art. 80o CPTA) em que a própria secretaria está em condições de dizer que aquele processo não pode continuar em termos formais. Quando haja recusa pela secretaria aplica-se o regime do CPC (475o e ss. CPC).

Citação: acto que trás ao processo pela primeira vez os demandados. Nos termos do art. 81o CPTA, realiza-se oficiosamente pela secretaria e não é necessário um requerimento das partes.
Nos termos do art. 25o CPTA a citação segue o regime do CPC, com uma excepção que será analisada posteriormente.

A finalidade da citação é dar conhecimento aos demandados da existência do processo para que possam exercer os seus direitos, nomeadamente a contestação.

Quem recebe a citação é o demandado e não o seu mandatário judicia, até porque como o demandado ainda não sabe que está a correr um processo contra si não existia o dever, anteriormente à citação, de constituir advogado.

A citação é feita por carta registada com aviso de recepção, sendo a data da assinatura do aviso de recepção muito importante porque é daí que se conta o prazo da contestação.

A única diferença em relação ao regime da citação no CPC decorre do art. 81o/2 em que o tribunal pode promover a citação mediante anúncio. Ou seja, há uma publicidade da existência do processo, deve-se identificar o objecto, o autor e os contra interessados no processo, e depois há um primeiro prazo de 15 dias para os contra interessados irem ao processo para se tornarem partes. Depois têm 30 dias para contestar. Tal possibilidade deve ser usada de forma moderada porque tal pode por em causa os direitos de defesa dos contra interessados a intervir. Só pode ser usado em situações em que não sejam identificáveis os contra interessados. Sendo possível identifica-los, então a citação deve ser pessoal.

A entidade demandada e os contra interessados são citados para contestar, sendo ainda importante salientar que existe a intervenção do MP, nos termos do art. 85o CPTA. Esta comunicação é importante porque o MP tem uma série de poderes de intervenção em processos administrativos, nomeadamente de impugnação de actos. Ou seja, o MP tem os poderes de intervenção processual consagrados nos vários números do art. 85º CPTA sendo que para os exercer precisa de ter conhecimento do processo, obviamente. Além disso, se o autor desistir da acção, a mesma pode ser prosseguida pelo MP nos termos do art. 66º CPTA.




Contestação: incorpora a defesa do réu e pretende que a pretensão do autor improceda. Na contestação os demandados podem deduzir uma reconvenção, o que inverte o papel das partes no processo. Ex.: o autor pede a condenação do demandado ao pagamento de uma indemnização e o demandado invoca que foi o autor quem lhe provocou danos a ele e pede-lhe uma indemnização. Para haver reconvenção é necessária uma conexão entre os pedidos. A renovação não é muito frequente, tanto que o CPTA nem se refere ao seu regime, aplicando-se portanto o regime consagrado no CPC.

A defesa do demandado na contestação pode ser por impugnação ou por excepção (dilatória ou peremptória, nos termos do CPC).
O prazo para a contestação encontra-se consagrado no art. 81o/1 CPTA, sendo de 30 dias.

Requisitos da contestação - art. 83o CPTA:

- Forma articulada de toda a matéria à defesa
- Anexar os documentos destinados a demonstrar os factos cuja prova se propõe fazer
- Identificação do tribunal e do no do processo

A estrutura da contestação é muito semelhante à da petição inicial. Além disso, na parte final o demandado também faz um pedido, que normalmente assenta na absolvição.

Na contestação em Administrativo não existe o ónus da impugnação especificada, ou seja, a entidade demandada não tem o ónus de impugnar os factos alegados pelo autor um a um, não se considerando tais provados por acordo - art. 84o CPTA.

No prazo para a contestação a entidade pública demandada é obrigada a remeter para o tribunal o original do processo administrativo, quando exista, e todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora nos termos do art. 84o/1 CPTA. É obrigada a remeter mesmo que tal seja prejudicial para si, não podendo seleccionar apenas o que lhe é mais conveniente.

Segue-se a notificação da contestação aos autores processuais. O autor tem de ter conhecimento do que o demandado alegou na contestação quer para efeitos de reconvenção, em que o autor teria de contestar; quer devido à invocação de excepções - Isto deve-se ao Princípio do Contraditório.

Na acção administrativa especial não existe réplica nem tréplica. O Princípio do Contraditório é assegurado na fase do saneamento do processo, nos termos do art. 88o CPTA. Existe uma única situação em que apesar da lei não consagrar, parece ter de haver réplica: caso do réu na contestação formular o pedido reconvencional. Havendo reconvenção ainda se está a delimitar o objecto do processo, ao contrário do que sucede nas excepções dilatórias, pois tais não interferem no âmbito do objecto.

Nos termos do art. 86o CPTA consagram-se os articulados supervenientes, englobando os factos que só ocorram após a entrega da petição inicial e do prazo para a contestação, ou antes destes prazos, mas que o conhecimento só ocorra posteriormente. Nos termos no no 5 vigora o principio de que a prova documental deve acompanhar o articulado, sendo que se não existir prova documental devem-se oferecer os meios de prova para o efeito.



2. Saneamento, instrução e alegações
Findos os articulados, nos termos do art. 87o, o processo é concluso ao juiz ou relator.
Saneamento: fase intercalar do processo em que se vai verificar: Se o processo está em condições de continuar tal como está; Se não esta em condições de continuar em circunstância alguma; Se não está em condições de prosseguir tal como está, mas poderá prosseguir após algumas correcções.
Despacho saneador: é apenas um dos momentos do saneamento.

No saneamento do processo o juíz terá:

- Analisar se existe alguma irregularidade formal do articulado que obste ao prosseguimento do processo. Nos termos do art. 88o CPTA fala-se nas deficiências de carácter formal, no entanto o preceito não concretiza de forma clara.


- Procurar (oficiosamente) excepções dilatórias (meios de defesa do réu que têm ul alcance meramente processual, sem qualquer efeito na relação substantiva entre as partes, que obstam à constituição do processo - art. 89o/1 CPTA (entre outros).

         - Ineptidão da petição inicial (a petição não tem pedido e/ou causa de pedir)
         - Falta de pressupostos processuais

- Procurar/verificar se existem excepções peremptórias (enquanto a excepção dilatória é um meio de defesa que afecta apenas a relação processual, a excepção peremptória traduz-se num facto modificativo, extinto ou impeditivo da pretensão do autor)

- Olhar para os factos alegados, quer pelo autor quer pelo réu, olhar para a prova já produzida relativa a esses factos e vai ter de formular um juízo sobre:

          - Ver se todos os factos alegados são relevantes ou não, sendo que os não relevantes nao o “irão preocupar mais” para efeitos de sentença
          - Dentro dos factos relevantes o juiz terá de verificar se tais factos já estão ou não provados. Actualmente os factos podem ser provados por:
                          - Facto documentalmente provado
                          - Facto provado por acordo
                          - Facto provado ao abrigo da livre apreciação de prova pelo juiz nos termos do art.  83o/4 CPTA - Se o autor alegou determinado facto e o demandado não o contestou/impugnou esse facto não equivale imediatamente a confissão mas o tribunal pode extrair a conclusão de que se não foi impugnado o facto, esse se verificou
                         - Não envio do processo administrativo no prazo da contestação nos termos do art. 84o/5 CPTA

- No caso de verificar que existe uma excepção dilatória ou uma excepção peremptória, terá de ouvir o autor nos termos do art. 87o/a) e b) CPTA - tal justifica a razão de ser da inexistência de réplica ou tréplica, porque concentra-se o contraditório todo nesta fase do processo


No despacho saneador, o que deverá fazer o juiz?
- Existindo uma excepção dilatória ou irregularidade que não tenham sido corrigidas nos termos analisados anteriormente o juiz terá de conhecer dessa questão (extraindo consequências) que obsta ao prosseguimento do processo ocorrendo a absolvição da instância
          - Sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento (art. 89o/2 CPTA): a regra é que o autor pode apresentar uma nova petição no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, considerando-se a nova petição apresentada na data em que tinha sido a primeira
          - Com prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento (art. 88o/4 CPTA): não existe possibilidade de apresentação de nova petição

- O juíz pode conhecer parcialmente do mérito da causa, sendo que tal só é possível se antes o juiz tiver analisado os factos alegados e concluir que todos os factos alegados importantes para formular a decisão já se encontram provados. Pode ainda ter havido acordo das partes quanto à dispensa de alegações.

- O juíz poderá ainda determinar a abertura de um período de prova quando tenha sido alegada matéria de facto ainda controvertida nos termos do art. 87o/1/c).



A existência de despacho saneador não é obrigatória, tal como resulta do art. 87o/1 CPTA.

O tribunal, em matéria de prova, tem poderes inquisitórios significativos , nomeadamente no art. 90o/1 CPTA.
O juíz, nos termos do art. 90o/2 CPTA, pode recusar os requerimentos de prova das partes ou pode recusar determinados meios de prova. Se for realizada a audiência para efeitos de prova, nada impede, pelo contrário, que essa audiência se junte à audiência referida no art. 91o/1 CPTA, sendo esta última destinada à discussão da matéria de facto: cada uma das partes vai alegar, tentando demonstrar, que a prova que se acabou de mostrar prova os factos alegados.

A audiência referida no art. 91o/1 não é obrigatória, sendo que o juiz pode considerar que não se exige a realização da audiência por não ser necessária, independentemente de tal ser requerido pelas partes.

Com as alegações termina, à partida, a intervenção das partes.


3. Sentença
O julgamento pode ser feito por Tribunal Colectivo, mas na maior parte das vezes é feito por Tribunal Singular. Contudo, há situações excepcionais em que além de intervir um tribunal colectivo o presidente do tribunal pode determinar a intervenção de todos os juízes do tribunal, nos termos do art. 93o CPTA - decisão adoptada pela maioria, mas havendo debate entre todos. Nos termos do art. 93o CPTA consagra-se ainda a hipótese de se o tribunal administrativo de círculo entender que a matéria é demasiado complexa para ele, então remete a questão para o STA, ficando este obrigado a emitir uma pronúncia vinculativa sobre a questão no prazo de 3 meses - a pronúncia vinculativa assenta na questão de direito, mas quem profere a sentença é o tribunal administrativo de círculo, ou seja, não existe uma transferência da competência. A pronúncia do STA não é um acto vinculativo para o próprio, podendo este, em processos diferentes, decidir de modo diferente.

Após a determinação da composição do Tribunal segue-se para a sentença, cuja estrutura é:

- Identificação
       - Das partes
       - Do Objecto do processo
       - Da Causa de Pedir
       - E, normalmente, o resumo da posição dos demandados

- Fixação das Questões de Mérito
       - Factos provados ou não provados (uma parte pode já ter sido realizada no saneador)
       - Questões de direito

- Apresentação de fundamentos

- Decisão final


Com a sentença esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto àquele processo. A sentença depois terá de ser notificado às partes e ser registada.


Nos termos do art. 95o CPTA dispõe-se sobre o conteúdo da sentença:


      - O tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de ausência de pronúncia, o que, consequentemente, leva à nulidade da sentença. Excepção: pedidos subsidiários - se o tribunal der provimento ao primeiro pedido do autor, o segundo pedido torna-se irrelevante.


      - O tribunal só se pode pronunciar pelas questões suscitadas, estando limitado pelo pedido, salvo quando a lei lhe imponha o conhecimento oficioso. Se a sentença for além do pedido, tal conduz a uma causa de nulidade da sentença


      - Nos processos impugnatórios, anteriormente a 2004, havia uma prática instaurada na jurisprudência que era a de a partir do momento em que o tribunal verificasse que de facto o acto impugnado padecia de um vício, anulava-o logo não analisado sequer os demais vícios.

      Normalmente, o tribunal começava a sua anulação pelos vícios mais fáceis, os formais. Como o acto só tinha sido anulado por falta de fundamentação, a Administração, depois da sentença, praticava exactamente o mesmo acto, mas agora com fundamentação. Deste modo o CPTA consagra agora que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas - visa-se a tutela jurisdicional efectiva (art. 95o/2). Além disso, o tribunal deve ainda identificar a existência de causas de invalidado diversas das que tenham sido alegadas, o que consubstancia uma excepção ao no 1, visando-se aqui a formação de uma sentença que produza o efeito de caso julgado quanto à validade do acto. Quer-se que a questão da validade daquele acto fique encerrada e não possa vir novamente a ser invocada.


      Refere o Prof. André Salgado Matos, a este propósito, que o intuíto do no 2 é boa, mas esta intenção às vezes fica frustrada uma vez que o tribunal pode não ter elementos para analisar todas as possíveis e imaginárias causas de invalidado daquele acto administrativo, por exemplo é bastante difícil provar o desvio de poder ou o erro. Não se pode garantir em absoluto que mesmo depois do tribunal exercer estes poderes do no 2 e emitir uma sentença em que se consagra a validade do acto, não apareçam, meses depois, provas que demonstram que aquele acto se deve a corrupção.


      - Nos termos do art. 95o/3 estabelecem-se limites dos poderes de pronúncia do tribunal nos casos em que exista livre margem de apreciação por parte da administração. Estas situações são importantes nos casos de condenação à prática do acto devido. Segundo esta norma o tribunal vai poder dizer quais os actos que têm de ser praticado, mas se existir margem de livre apreciação e havendo várias possibilidades lícitas para a administração actuar, o tribunal não pode decidir qual a via que aquela irá seguir, ou seja, não pode determinar o conteúdo da decisão administrativa.


      - Nos termos do art. 95o/4 CPTA consagra-se que nas situações em que não existe margem de decisão, o tribunal não tem elementos suficientes, chamando este aquela para lhe prestar tais elementos.


Juliana Albano da Luz, aluna nº 22044

Audiência prévia e Inversão da regra da obrigatoriedade.


INTRODUÇÃO
A discussão que se prende o seguinte comentário relaciona-se com a função e adequação do conceito de audiência dos interessados no procedimento administrativo considerando para tal o ProjCPTA[1] quanto a esta matéria e a solução hodierna que é no mesmo apresentada, designadamente quanto à inversão da regra da obrigatoriedade da audiência prévia. Quanto aos esclarecimentos infra enunciados contei com o apoio da Excelentíssima Professora e assistente da nossa ilustre faculdade de Direito de Lisboa DINAMENE DE FREITAS, através da leitura do seu artigo intitulado por “ Unificação das formas de processo – Alguns aspectos da tramitação da acção administrativa”, o qual aconselho a leitura a todos os estudantes[2].

É já sabido que o direito de audiência prévia se define como um direito subjectivo atribuído àqueles que se entendam como interessados no procedimento administrativo, facultando-lhes a possibilidade de participarem na formação da decisão administrativa (arts. 52º, 53º e 60º do CPA) Em suma, nesta fase do procedimento administrativo é permitido a um particular participar activamente na formação da convicção da Administração, o que se traduz desde logo num instrumento para a protecção dos particulares mas não só, também de cooperação com a Administração Pública atendendo ao seu fim basilar que é a prossecução do interesse público (art. 95º do CPA).



FORMAS DE AUDIÊNCIA PRÉVIA



Tal qual como subjaz do art.100/2º do CPA a audiência dos interessados pode revestir forma escrita ou oral, cabendo ao instrutor decidir qual o meio mais adequado para a sua realização.



EFEITOS DA AUDIÊNCIA PRÉVIA



O efeito é desde logo a suspensão da contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos. (art.100º/3)



REGRAS DA AUDIÊNCIA PRÉVIA



Tanto na audiência escrita como na audiência oral a notificação que a Administração dirige ao particular deve fornecer os elementos necessários para que os interessados possam conhecer tudo o que foi apurado, isto é, matéria de facto e de direito, qual o sentido da decisão e por fim as horas e local indicadas para que o processo possa ser consultado. (art. 101º, no seu nº1 e nº2)

O prazo cedido ao particular deve ser superior a dez dias úteis, cuja contagem se inicia a partir do momento da recepção da notificação (arts. 72º e 101º, no seu número 1 do CPA), no caso de audiência escrita. Já na circunstância de audiência oral esta deve ser convocada com uma antecedência mínima de oito dias úteis (arts. 72º e 102º, no seu número 1)



CASOS DE INEXISTÊNCIA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA



Ainda que, neste momento, a regra seja de em todos os procedimentos administrativos se observar a fase da audiência prévia existem situações em que esta não possa ter lugar. Essas situações encontram-se explanadas no art. 103º do CPA e traduzem-se nas seguintes circunstâncias:

a) quando a decisão seja urgente;

b) quando a realização da audiência prévia possa comprometer a execução ou a

utilidade da decisão a tomar;

c) quando o número de interessados seja tão elevado que torna impraticável a

audiência.



CASOS DE DISPENSA DA AUDIÊNCIA PRÉVIA



Situação similar é também a da dispensa de audiência prévia constante do número 2 do artigo 103º, justificando-se:

a) quando os interessados já se tiverem pronunciado sobre as matérias relevantes para a decisão e sobre a prova produzida;

b) quando os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão

favorável aos interessados, que deve ser, aliás, totalmente favorável.



CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA



Neste ponto a doutrina diverge, e esta divergência justifica-se pela natureza que se atribui à audiência prévia. Certo é que quando haja falta de audiência prévia nas situações em que esta deva ser observada gera a invalidade da decisão final, incerto é qual o tipo de invalidade gerado.

Parte da doutrina entende que o direito de audiência prévia é um direito fundamental que geraria a nulidade do acto[3] (art.133º/2 d), numa outra linha há quem defenda que não se trata de um direito fundamental e concomitantemente o resultado seria a anulabilidade do acto administrativo[4] .



DISCUSSÃO: PARALELO COM O PROJECTO DO CPTA



Esta formalidade, a da audiência dos interessados, posterior à fase dos articulados, reveste-se do mesmo propósito que o processo civil, de onde se infere que a audiência é com toda certeza multifacetada e complexa quanto às finalidades a que se compromete. Não pretendo alongar este último aspecto que se debate com as finalidades da audiência prévia e que como já se referiu são análogas ao do processo civil (e portanto conhecidas desde o ano lectivo passado), mas diante das mais relevantes pretendo enunciar algumas; desde logo neste momento pretende-se, ou tenta-se, que as partes cheguem a acordo, se conciliem.; também neste prisma pretende-se facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (tal qual se encontra transcrito na nota de rodapé número 5) ou ainda para o proferimento do despacho saneador (ainda que este último possa ser dispensado neste momento processual através da emissão de um despacho pelo juiz).

De facto, são vários os preceitos que consubstanciam e garantem o exercício deste direito, veja-se o art.8º, o 59º , o 100º e o 107º do actual CPA, entre outros que no presente artigo se encontram mencionados. Também importa referir que este direito encontra tutela constitucional, designadamente no seu art.268º o que compagina uma densificação do princípio da democracia participativa como sugere JORGE MIRANDA (veja-se os arts.9º da CRP e o artº 8 do CPA).

Atentos ao art.59º do CPA, conclui-se desde logo uma amplíssima arbitrariedade quanto ao momento em que se poderá ouvir os interessados (“Em qualquer fase do procedimento...ordenar a notificação dos interessados...se pronunciarem acerca de qualquer questão”), o que a meu ver, não é favorável para a estabilidade do processo e celeridade do mesmo (quanto ao dever de celeridade veja-se o art.57º do CPA) .

Se supra referi que quanto às finalidades da audiência prévia o regime do CPTA em tudo converge com o do processo civil, já o mesmo não pode ser dito quanto a outros aspectos, nomeadamente quanto à obrigatoriedade ou não da audiência prévia. Neste ponto, encerra o ProjCPTA que a audiência passa a ser facultativa (art.87.º-A, no seu nº1), o que levanta algumas preocupações que adiante irei expor.

Mas há pouco o que se referiu tem neste momento importância, pois existem situações finalísticas em que se dispensa a existência da audiência, através da intervenção do juiz pela emissão de despachos, e portanto substituindo-se aos seus efeitos últimos. Ou seja, em suma existem finalidades às quais a audiência se compromete que não são escopo/justificação para a sua obrigatoriedade.

Tal qual, como consta no projCPTA (n.º 1 do artigo 87.º-B), podemos inferir desde logo que a audiência prévia não tem como propósito o exercício do contraditório quanto às excepções, designadamente dilatórias, que a procederem determinam a conclusão da acção no despacho saneador sem que seja mais necessária a intervenção das partes.

No projCPTA inclui-se a réplica como articulado de resposta quanto às excepções, por contraposição à resposta que a existir seria apenas em audiência. A solução parece ser contundente à natureza do contencioso administrativo, pelo volume que estas excepções são invocadas e pelo facto de o juiz as poder conhecer. Por razões de celeridade e até mesmo eficácia na resolução do litígio, faz sentido que assim o seja. Pois vejamos que , na maioria das vezes, a discussão e apuramento da verdade não incide sobre os factos, não sendo estes controvertidos e concomitantemente, sendo do conhecimento do juiz. Mas por outro lado, a dúvida reside e é necessária esclarecer quanto ao direito a aplicar no caso em concreto. Em suma poder-se-á afirmar que a oralidade não seja preponderante para a boa resolução e seguimento do processo nestes casos, já que a função do juíz se reporta à aplicabilidade do direito ao caso sub judice. Do mesmo modo, e na minha perspectiva, não se devia afirmar ser admissível e até mesmo razoável a dispensa de audiência prévia nas situações em que os factos ainda não são atendidos como esclarecidos e verdadeiros, havendo a necessidade de apuramento da verdade para a garantia dos direitos que se pretendem proteger, efectivar e garantir em processo. Neste momento é fulcral a intervenção do juíz. Deve pois adequadamente promover a audiência do requerido fazendo uso dos instrumentos e meios processuais que lhe são facultados com vista à reposição e assertividade da verdade.
Termino o comentário com uma exposição formulada do artigo artigo 87.º‑B[5] sugerido pela Professora DINAMENE DE FREITAS, e à qual aliás estou inteiramente de acordo, “onde o n.º 2 teria a seguinte redação: Nas ações que hajam de prosseguir, quando o juiz dispense a realização da audiência prévia, profere, nesse caso, despacho para os fins previstos nas alíneas d), e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados.”; Por sua vez “o n.º 3 passaria a constar desta forma: “Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode o juiz convocar audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinar‑se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, podendo haver alteração dos requerimentos probatórios.»


































































































































































































[1] O Projecto do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos encontra-se intregralmente disponível no portal do Governo em http://www.portugal.gov.pt/media/1352316/20140225%20mj%20prop%20lei%20cpta%20etaf.pdf .




[2] O artigo completo em http://e-publica.pt/unificacaodasformas.html


[3] Posição defendida por VASCO PEREIRA DA SILVA, sustentando-se no facto do indivíduo ser enquadrado como um sujeito de direito nas relações com a Administração, assistindo-se a uma ampliação dos direitos subjectivos na esteira do Direito Administrativo. Ora, confiado pelos Direitos Fundamentais coloca-se o particular numa posição de igualdade quanto aos poderes públicos. Sendo que o CPA de 1991 ao determinar a obrigatoriedade da audiência prévia antecipou uma tutela antecipada dos particulares.

MARCELO REBELO DE SOUSA, sugere que a inobservância do direito de audiência prévia consiste numa formalidade essencial e concomitantemente essencial ao acto, no que resulta a nulidade do mesmo pela observância do art. 133/1º do CPA






[4] Este entendimento é defendido por FREITAS DO AMARAL, já que na sua óptica apenas se definem como direitos fundamentais apenas os inerentes à dignidade da pessoa humana. A jurisprudência administrativa também tem acolhido esta solução, isto é, no sentido da anulabilidade em detrimento da nulidade por vício de forma, tal qual como pode ser consultado, a título de exemplo, no Acórdão do STA em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/7e9d15d8cf619a0e80257ac40054fa91?OpenDocument&ExpandSection=1








[5] Redacção do artigo 87-A e B7º-B integral tal qual como proposto no ProjCPTA que se discute:



“ Artigo 87.º-A

Audiência prévia

1 – Concluídas as diligências resultantes do preceituado no artigo anterior, se a elas

houver lugar, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, pode ser convocada

audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou

alguns dos fins seguintes:

a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 87.º-C;

b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione

conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;

c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e

suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que

ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;

d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 88.º;

e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; 6

f) Proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e

enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;

g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respetivas

datas.

2 – Para efeitos do disposto na alínea e) do número anterior, o juiz pode determinar a adoção da tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.

3 – O despacho que marque a audiência prévia indica o seu objeto e finalidade, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de apreciação imediata do mérito da causa.

4 – Não constitui motivo de adiamento a falta das partes ou dos seus mandatários.

5 – A audiência prévia é, sempre que possível, gravada, aplicando-se, com as

necessárias adaptações, o disposto sobre a matéria na lei processual civil.

6 – Os requerimentos probatórios podem ser alterados na audiência prévia.



Artigo 87.º-B

Não realização da audiência prévia

1 – A audiência prévia não se realiza quando o processo deva findar no despacho

saneador pela procedência de exceção dilatória.

2 – Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da

audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e), f)

e g) do n.º 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins

indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados.

3 – Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos

proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode

requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia, que, neste caso, deve

realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinar-se a apreciar as questões suscitadas

e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior,

podendo haver alteração dos requerimentos probatórios.”